Em entrevista a Ruth de Aquino, Leopoldo Mateus e Alberto Bombig, da Revista Época, o ex-governador de Minas Gerais fala sobre política, eleições, José Serra, o sonho da presidência, o PT, Rio de Janeiro e até futebol. E mostra que é um homem de seu tempo, com características e postura dignas de um chefe de estado, que exerce com naturalidade e legitimidade suas funções sem se desfazer das coisas simples da vida, como bom mineiro. Aprendeu com o avô Tancredo a ter paciência e acredita ser possível fazer política com mais arte e menos competitividade.
Leia um trecho da reportagem publicada na Época desta semana a seguir:
O tucano relutante
Ele quer sair de Minas direto para a Presidência? Quer flertar com o PT? Quais são os motivos de Aécio para recusar ser vice na chapa de Serra?
Se existe algo que provoca arrepios no ex-governador mineiro Aécio Neves, de 50 anos, é o quadro imenso que domina a sala de seu apartamento no bairro nobre de Anchieta, em Belo Horizonte. Assinada pelo conterrâneo Carlos Bracher, a tela mostra nuvens carregadas sobre a Praça dos Três Poderes. “Ai, ai, Brasília...”, diz Aécio, como se fosse refém de seu destino. Brasília é seu porto daqui para a frente, Minas Gerais ficou pequena. Candidato ao Senado, Aécio acaba de chegar de férias em dois paraísos na Itália – as aldeias da Toscana e as rochas da Costa Amalfitana. Viajou com a namorada, a modelo catarinense Letícia Weber, que tem a metade de sua idade e ele chama de Le: “Sou o último romântico, como diz Lula”.
AO SENADO
Aécio no bar de sua casa. Ele diz que cansou das especulações sobre a candidatura a vice. “Pode cravar, chega dessa história”
Paciência. Essa é a maior virtude que Aécio diz ter aprendido com o avô Tancredo Neves. Não é difícil acreditar nele. Além de paciente, é sedutor. Bronzeado, bem-disposto, com o sorriso que faz uma covinha na bochecha direita, o governador mais bem avaliado do Brasil recebeu ÉPOCA em sua casa, na segunda-feira à noite. O suco de abacaxi com hortelã ficou mofando sobre a mesa. Ele falava sem colocar vírgula. De jeans, camisa azul para fora da calça, mocassim sem meia, Aécio balança sem parar as pernas cruzadas e gesticula muito. Tem a mania de prender a mão entre as pernas. O suor marca a cava da manga da camisa. Não parece nervosismo, porque olha no olho, não desvia do assunto. É inquietação mesmo. Malha quase todo dia, joga pelada uma vez por semana, corre. Detesta posar. “Naquela poltrona, não. É horrível.” Era uma poltrona de design, The Egg, do dinamarquês Arne Jacobsen. Ele preferiu a banqueta do bar.
Nos últimos dias, Aécio resistiu a pressões da opinião pública e do PSDB. Recusou-se pela enésima vez a ser vice de José Serra na eleição deste ano: “Pode cravar, chega dessa história”. Os tucanos bicaram e espernearam, mas o empate de Serra com Dilma Rousseff nas pesquisas não demoveu Aécio. “Eu era candidato a presidente. Achava que poderia atrair o PSB, o PDT e racharia o PMDB. Nunca fui candidato a vice, nem quando Serra tinha 20 pontos de vantagem sobre Dilma. Agora sou candidato ao Senado.” Promete ser o maior cabo eleitoral de Serra. Em Minas, nos programas da TV, nos palanques. Basta?
Serra também está cansado dessa história. Deu ordens expressas para que o assunto seja tratado apenas nos bastidores. Não é bom para ele parecer tão dependente. “Aécio tem um projeto pessoal e não quer ir a reboque. Política não se faz por amizade nem por egoísmo, mas não dá para pedir esse sacrifício a ele”, diz o cientista político Octaciano Nogueira. Na quarta-feira, um almoço em São Paulo reuniu Aécio, Fernando Henrique Cardoso, o senador Tasso Jereissati e o presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra. “Meu nome nem foi cogitado”, disse Aécio. Os nomes no cardápio foram os conhecidos: o próprio Tasso (o melhor vice na visão de Aécio), o senador Francisco (Ficha Limpa) Dornelles e Itamar Franco.
Por que Aécio disse não, não e não? Porque ele quer ser presidente. Quer ser o primeiro, e não o segundo. Não quer viver no anexo do Palácio do Planalto. Não gosta de sombra, mas de sol. Não quer sair pelo Brasil carregando o pendor para Serra e desguarnecer Minas – onde seu candidato, o governador Antonio Anastasia, vai enfrentar a chapa PMDB-PT (Hélio Costa-Patrus Ananias). O tempo está a favor de Aécio. E ele não se enquadra no figurino de vice. Não é discreto nem calado. “Eu sou otimista. Não deu certo, vamos para a próxima etapa. Estou absolutamente convicto de que tomei a decisão certa.”
É mais fácil imaginar Aécio bebendo cachaça com Lula do que vinho com Serra. “É verdade. Mando todo mês a cachaça da fazenda da família para o presidente. A Matusalém. Não tem nada parecido no Brasil. Quantas garrafas? Ah, o Lula não bebe sozinho”, diz. O que os aproxima não é uma questão etílica, mas o jeito bonachão que atrai e não afasta as pessoas. Se Lula aprendeu a negociar como líder sindical e só ganhou jogo de cintura depois de perder várias eleições, Aécio nasceu com paz e amor no DNA. Político que tem arestas, mineiro não é. “A personalidade e o estilo de Aécio e Serra são muito diferentes”, afirma o cientista político Leôncio Rodrigues. “Não seria fácil conjugar os dois na chapa. Ambos são ambiciosos, com carreira política que os legitima para ser presidentes, são fortes em seus Estados.”
“Se tivesse garantia de que como vice ia botar 20% nos votos do Serra, eu pensaria. Mas é só 0,5%” - Aécio, traduzindo em números seu cálculo político.
Ao mesmo tempo que sente simpatia por Lula, Aécio expressa respeito por Serra. “Se o Serra tem cara de mal-humorado, precisamos entender isso como uma cara de alguém preocupado com o país.” O mais importante, diz, é o Brasil se livrar de mais quatro anos de PT, porque isso seria “ruim para o país”. Por um momento no ano passado, ele achou que comandaria o processo de mudança. Mas o PSDB, fechado com Serra, deixou Aécio cantando sozinho o samba das prévias. Até que ele fez um “gesto de generosidade” e retirou-se do cenário em dezembro. Em nome de que ele agora seria o vice de Serra? “Em nome de algo maior e de seu próprio futuro, seu projeto presidencial”, diz o sociólogo Bolívar Lamounier, mineiro que mora em São Paulo. Ele é um dos inconformados. Lamounier acha que a chapa puro-sangue Serra-Aécio teria tudo para decidir a eleição e, mesmo se Dilma ganhasse, o gesto de Aécio o transformaria automaticamente em líder maior da oposição no país, em vez de um entre 81 senadores. Mas e Minas? Como candidato a vice ou a senador, qual seria a melhor posição para ajudar a eleger Anastasia? Aécio está convencido de que ficar no Estado é a melhor solução.
Em Minas Gerais, Aécio tem tanta popularidade quanto o presidente Lula. Em janeiro, segundo as pesquisas, Aécio tinha 76% e Lula 72%. Em maio, a situação se inverteu: 73% para ele e 77% para Lula. Isso demonstra que existe uma razoável interseção entre lulistas e aecistas. “Gosto de ser tocado pelo povo, ver meu governo reconhecido, perceber o carinho nos olhos de quem votou em mim. Isso me emociona.” Na segunda-feira, ÉPOCA o acompanhou em viagem de avião a Janaúba, no norte do Estado, onde seu pai foi homenageado. Aécio estava com a voz rouca, desgastada pela festa de batizado da filha de um amigo na noite anterior. No voo, dormiu uns 20 minutos com a boca aberta. “Parece Juscelino”, disse rindo o pai, Aécio Cunha. “Quando eu viajava com Juscelino para o interior, ele sempre batia no relógio e dizia: ‘Me acorde em 20 minutos’.” Revigorado após o sono pesado e breve, Aécio foi recebido por militantes emocionados e moças aos gritinhos, que disputavam fotos ao lado dele. “Agora mais pra frente, Aécio presidente!”, gritavam.
Pela primeira vez, Aécio se diz “desempregado”. Sabe que é por pouco tempo. Ele se anima quando fala da disputa política em Minas, da vida social no Rio de Janeiro, da fazenda onde a filha Gabriela, de 18 anos, sobe na mesma jabuticabeira em que ele subia aos 10 anos. Dos amigos, da família, de Nova York e de futebol. O cruzeirense Aécio não se conforma com uma Seleção Brasileira sem o jovem Ganso. “Política é momento. Futebol também. É muita carga no Kaká, não sei se é um cara que tem esse estofo.”
A conversa sobre a Vice-Presidência seria muita carga em Aécio? Ele diz que não, que se sente honrado. Mas não gosta nem um pouco quando percebe que alguém tenta transformá-lo em bode expiatório na hipótese de uma derrota de Serra nas eleições. “É patético que alguém me chame de traidor ou antipatriota. Se eu tivesse garantia de que como vice ia provocar uma comoção, que eu ia botar 20% nos votos do Serra, eu pensaria. Mas o impacto de meu nome como vice não é expressivo, e os números provam.” Ele se refere a uma pesquisa feita pela Vox Populi em Minas Gerais. Serra teria hoje 36% dos votos em Minas, e Dilma 30%. Dos 14 milhões de eleitores no Estado, 20% admitem votar em Serra com o apoio de Aécio, mas não necessariamente como vice. E só 5% condicionam o voto a Serra a uma chapa com Aécio como vice. Isso corresponde a 0,5% dos votos no Brasil.
A pesquisa só foi feita em Minas porque é ali que o nome Aécio Neves atinge o povo. “No resto do Brasil”, diz Marcos Coimbra, diretor da Vox Populi, “o eleitorado está posicionado e muda pouco agora em função de dados como a Vice-Presidência.” No Norte e no Nordeste, Aécio Neves é praticamente desconhecido. “É em Minas que ele chega ao estudante de baixa renda, ao aposentado, ao operário, ao informal, às mulheres em geral.”
Dizer que Aécio é bom de papo faz justiça a seu gosto pela articulação. Mas seu trunfo maior são as urnas. Foi eleito quatro vezes deputado federal, quatro vezes líder do PSDB, presidente da Câmara e governador de Minas, eleito em 2002 e reeleito em 2006 com porcentual inédito de 77% de votos válidos – e saiu em dezembro com 92% de aprovação. Não é só com simpatia que se consegue isso. “Choque de gestão, esse é o motivo. Sei que alguns criticam, alguns elogiam e a maioria não entende. Choque de gestão significa nossas crianças em Minas ganhando as olimpíadas de matemática, significa ter as crianças de 8 anos que melhor sabem ler no país.”
Aécio acha que Serra não tem batido suficientemente no maior vício do governo Lula: o aparelhamento e a ineficiência do Estado. “Os gastos cresceram de forma avassaladora e irresponsável, e isso não veio acompanhado da melhoria do serviço público. Aqui em Minas todo mundo tem bônus por meta. Pergunta se o governo federal tem alguma medida nessa direção. Não tem sabe por quê? Porque os sindicatos reagem.”
Ele entrou para a política aos 22 anos, como secretário do avô Tancredo, então candidato à Presidência. As imagens dessa época mostram um garoto de olhos muito expressivos e assustados. A vida de repente mudou. Perderia cavalgadas com os primos na fazenda e os jogos do Cruzeiro no estádio do Mineirão em companhia do pai. Subia ao palco político com o carimbo do sobrenome do avô materno. E não mais sairia. Criou luz própria. O jornalista Roberto D’Avila, que o conheceu antes da campanha das Diretas, há 30 anos, acha que Aécio “tem um comportamento de chefe de Estado”. Uma postura que emerge naturalmente em viagens que fizeram juntos a Cuba e à Venezuela nos anos 80, depois à Itália, à França e a vários outros países. “Como dizia Leonel Brizola”, afirma D’Ávila, “os líderes se reconhecem – e seja Shimon Peres ou François Mitterrand, sempre vi todos o tratarem de igual para igual, como alguém com pedigree, história e legitimidade.”
Para entender Aécio Neves, é preciso entender suas muitas paixões. Ele diz ser um homem de seu tempo. “Se gostar do Rio de Janeiro é defeito, vou avisando que esse defeito só tende a aumentar e que vou lá menos do que eu gostaria. É onde estão lembranças da adolescência, amigos e, principalmente, minha filha, Gabriela.” Se houve um momento da conversa em que Aécio ficou sério, foi quando se mencionou que ele gostava de “farras”. Festeiro sim, mas a fama de farrista o incomoda. O Aécio carioca, que desfila no Sambódromo, é mais conhecido do que o rural.
Seu primo Fernando Tolentino, o Grilo, conta como é sagrada a cavalgada anual da família, normalmente na última semana das férias de julho. “A gente sai da fazenda de um parente e vai para a dele. Termina com uma moda de viola e um churrasquinho. Pé no chão, short e camiseta. Sempre que a lua cheia do fim de semana encaixa com a agenda, ele vai para lá e encomenda em algum povoado um franguinho caipira. Gosta de cabrito assado também.”
Aécio continua confiante no futuro, mesmo que tenha sido preterido como candidato à Presidência pelo PSDB. Neste ano, pela primeira vez o nome de Lula não estará nas cédulas desde 1989. Aécio declarou que Geraldo Alckmin perdeu em 2006 não para um candidato, mas “para um mito”. E se o próprio Aécio tiver de disputar com “o mito Lula” em 2014? “Nunca sofro por antecipação, não consigo”, diz mineiramente o neto de Tancredo.
Confira o restante da entrevista no site da Revista Época (link para assinantes).
Leia também a primeira parte da entrevista, publicada por Época no dia 01/06/2010: Aécio Neves: "Tasso é o melhor vice".